Em janeiro de 1956, o Brasil estava mergulhado em uma das mais graves crises políticas da República. No espaço de um ano e meio, o país teve quatro presidentes. Getúlio Vargas matou-se em agosto de 1954, seu vice João Café Filho foi afastado por um infarto, o presidente da Câmara Carlos Luz sofreu impeachment enquanto tentava organizar um Golpe de Estado e o vice-presidente do Senado, Nereu Ramos, foi indicado pelo Congresso para completar o mandato. No centro da crise estava o governador mineiro Juscelino Kubitschek de Oliveira que, tendo vencido a eleição para presidente por uma margem estreita, encontrava cada vez maior resistência. Haviam muitos, e poderosos, que não desejavam sua posse. Naquele janeiro, buscando garantir seu mandato, JK tomou a decisão de viajar para o exterior.
Vivemos um tempo amargo, no qual a estrutura política brasileira derrete. A história não oferece lições, mas permite paralelos. O Brasil já teve um presidente com o carisma de Barack Obama num tempo anterior às redes sociais. Já conseguiu fazer a transição de um período de imensa crise para, em muito pouco tempo, estabilidade e otimismo. JK é ainda mais impressionante pois, entre 1950 com a eleição de Vargas, e 1994, com a de Fernando Henrique, foi o único presidente eleito a cumprir o mandato inteiro. Não é um feito pequeno.
Naquele janeiro, ainda um mês antes da posse, JK tinha a necessidade de começar a agir como chefe de Estado perante os brasileiros. Sem jamais mencionar que havia uma crise séria, mostrou-se no comando. Nos EUA, foi recebido pelo presidente Dwight Eisenhower, na Casa Branca. Mais importante do que a conversa foi a cobertura feita pela imprensa, rica em imagens. Acompanhou-o uma equipe do diretor Jean Manzon, que preparou filmetes para exibir no cinema. Também estavam ao seu lado repórter e fotógrafo da recém-lançada revista Manchete.
Havia uma ânsia de modernidade e transformação naquele Brasil. Getúlio, com toda sua popularidade, governara o país por 18 dos últimos 25 anos. “O pai patriarca à antiga”, escreveu o biógrafo Cláudio Bojunga, “fora sucedido pelo presidente leve, dinâmico, liberal, inquieto.” Se o velho caudilho era um nacionalista convicto, desconfiado do capitalismo, JK era cosmopolita e tinha planos para uma rápida industrialização. Principalmente para a Manchete, uma revista ilustrada jovem para o tempo imediatamente anterior à TV, esta visão otimista de Brasil caía como uma luva em seu projeto editorial. Mas o projeto da Manchete não surgia do vácuo. Representava um desejo da sociedade. E JK teve a extrema habilidade de moldar-se aos sonhos difusos do brasileiro.
Manter a estabilidade não foi trivial. JK pertencia ao PSD, uma espécie de PMDB atual. Seus líderes eram uma mistura de interventores nos governos locais do período do Estado Novo com as famílias que compunham as lideranças regionais da República Velha. Havia sido eleito em aliança com o PTB, que inaugurara a relação entre sindicatos e políticos no Brasil. Eram, ambos, partidos criados por Getúlio. Durante o governo, o presidente enfrentou greves sérias, que o PTB conseguiu negociar antes que terminassem em confrontos com a polícia na rua. Lidou, também, com duas rebeliões militares. E, tendo-as desfeito, anistiou imediatamente todos os envolvidos. Juscelino fazia uma política de panos quentes e sorrisos, como se nada pudesse atingi-lo.
O mais difícil, no entanto, foi lidar com o principal grupo de oposição, a UDN. O partido, que do centro nos anos 1940 deslocara-se para a centro-direita, fazia uma oposição agressiva, com denúncias constantes de escândalos. (Que não eram poucos.) Seu núcleo no Congresso ganhara da imprensa o apelido Banda de Música e lembrava mais o PT dos tempos de Collor, Itamar e FH do que a atual oposição de pouca espinha. “Eu sabia que uma aliança com o PTB era imprescindível”, lembraria Juscelino, “pois somente uma aliança muito forte poderia enfrentar a oposição e sair vitoriosa.” Seu vice era João Goulart, o herdeiro de Getúlio. Se por um lado atraía a ira da direita, por outro espalhava uma teia de apoio rural (via PSD) e urbano (PTB).
A estratégia política de JK foi brilhante. Ele instituiu o que chamava Plano de Metas, com trinta propostas para produzir aquilo que em sua campanha presidencial resumira como 50 anos em 5. Este plano ficava sob o comando do Conselho de Desenvolvimento, responsável pela execução. O Conselho podia recorrer a técnicos de todos os ministérios, além das estatais. Desta forma, o Conselho era o braço administrativo do governo, permitindo ao presidente que fatiasse os ministérios de acordo com os critérios fisiológicos de sempre, consolidando a base no Legislativo. Havia, como conta a professora Maria Victoria Benevides, dois governos. Um administrava, o outro arcava com o peso da tradição patrimonialista.
Juscelino, seu sorriso largo, conseguiu driblar o Brasil para governar. Também aumentou a dívida pública – e em muito. Mas não é possível negar-lhe o feito de ter sido capaz de governar, e de tocar o mandato presidencial democrático mais ambicioso da história brasileira, num tempo de profunda instabilidade.